quarta-feira, março 01, 2006

O dia em que tu nasceste


Fim da tarde, por volta das 19h, 1ª contracção…no momento eu não sabia, sentia qualquer coisa....que voltou passado pouco tempo.

Continuei a preparar o jantar, a noite estava boa…jantámos lá fora.

Não me esqueço, a vizinha do 1º andar veio à janela e viu-me a pôr-te a mão em cima “Cá para mim isso não passa de hoje” – sorri, talvez já um sorriso nervoso.

O teu pai perguntou o que é que sentia “Não sei é uma impressão…” não fez mais nenhuma observação ou sequer voltou a perguntar o que é que se passava, apercebeu-se que, fosse o que fosse, era cada vez mais evidente…mas manteve aquele silêncio que lhe é tão comum quando fica nervoso.

Pouco passava das 10 da noite. Embora não me tenha dito nada acho que o teu pai contava o tempo entre cada um daqueles "apertos" que me faziam encolher, e foi ele que decidiu que tinha chegado a hora .

No caminho liguei à tua avó ainda um pouco incrédula - ela é que me ia acompanhar, pois os nervos do teu pai não lhe permitem tais proezas...ver um filho nascer ultrapassa a sua capacidade de encaixe!

Meia hora à espera, e já não era aquela “impressão” eram dores cada vez mais fortes, cada vez com mais frequência – e o teu pai cada vez mais impaciente.

Chamaram-me.

- Dispa-se e deite-se aí!

Veio uma enfermeira, uma mentecapta com certeza frustrada com aquilo que vida lhe reservou, e que a tornou num ser inútil e abrutalhado! Fez-me o toque ...e que toque!!!

Agora que penso nisso, acho curioso esse nome. Toque?!?!?! Que subtileza! Aquilo é pancada, dói que se farta!

“Está com dois de dilatação…quer contribuir para a educação destas alunas?”

Olhei – eram cinco! Cinco raparigas a aprenderem e provavelmente a pensarem que um dia estariam no papel oposto...talvez por isso e também por estarem ali cheias de vontade de aprender e acreditarem que podem ajudar os outros, conseguiram proporcionar-me momentos mais calmos e reconfortantes...e por isso agradeço a presença delas.

– Pode ser, mas só uma, se não se importarem…

Uma delas, a medo lá fez o toque, este sim fez justiça ao nome que lhe dão. De repente um líquido quente escorre-me pelas pernas...

Sentia-me tão vulnerável, só queria que me ajudassem, que todos os que tivessem que participar no teu nascimento o fizessem de boa vontade para que tudo corresse bem. Bem sei que é a obrigação deles (enfermeiros, médicos...), mas como tudo na vida, se for feito com gosto, tudo se torna mais simples.

- Vá àquela casa de banho lave-se, ponha a sua roupa neste saco e vista a bata.

Pensei que precisava de auxílio, as contracções já não me deixavam dar dois passos sem parar e o banho não foi fácil, mas não quis pedir ajuda…quando passei vi a tua avó a sorrir-me e só me apetecia chorar, mas não o fiz.

Comecei a respirar fundo para me concentrar em algo, as dores eram já bastante fortes e eu só pensava “Tenho que aguentar, não há outro remédio…por isso não te descontroles, respira fundo!”

E lá vem a nossa “amiga bruta”: "Está a respirar assim para quê?! Ainda fica com dores de cabeça!”. Nem sequer lhe respondi, naquele momento não precisava que aquele ser repulsivo me desorientasse.

- Preciso que digam à minha mãe onde estou, ela pode vir – não pode?

- Sim, já dizemos, agora vá-se lá deitar!

Deitei-me, sentia o corpo a “esticar” – Desculpe, já avisaram a minha mãe?

- Oh menina tenha calma!

Mas porque é que não vens mãe? Eu preciso tanto de ti aqui!

- A menina vai querer a epidural?

- Sim, sim!

Entretanto chegou a tua avó, que bom!

As dores cada vez mais constantes, já não tinha tempo para descansar entre as contracções… e agora que já tinha a minha mãe, era a epidural que não vinha, e a tua avó que já estava a ficar nervosa.

- “Mas porque é que não lhe dão a epidural?! Daqui a nada está a nascer o bebé e ela está cheia de dores!”

Mais um toque…”está com 4”.

- Olhe se calhar não vai levar a epidural…sabe há aí uns casos complicados e o anestesista está com muito trabalho!

“Não pode ser!” pensei eu – E de repente percebes que o que tiver que ser, será e que realmente és mais forte do que pensavas e vais suportar o que for inevitável.

Às 3 da manhã mais um "toque": “Está com 6…Menina vem aí o anestesista”.

Por um breve momento as dores voaram, e eu que até nem sou católica pensei “Deus existe e é grande!”

É crítico, não te podes mexer mesmo quando os teus ossos estão a ser repuxados, mas a recompensa é grandiosa!

As dores começaram a desvanecer-se e passado meia hora já tinham ido – Abençoado o ser que inventou a anestesia!

Qual castigo Divino, qual quê!

Depois…adormeci – o resto do trabalho de parto foi feito na paz dos Deuses.

E a tua avó sempre ao meu lado - como de resto o tem feito em toda a minha vida.

Pouco passava das 6 da manhã quando as dores voltaram, a esta hora felizmente a enfermeira já não era a mesma, mas sim um doce de pessoa, meiga e que me disse o que eu mais queria ouvir “Está pronta, vamos para a sala de partos” – foi música para os meus ouvidos - finalmente ia-te conhecer.

A partir daí foi tudo bastante rápido. Respirar, fazer força, respirar e força…de repente tudo abana dentro de nós – e foi aquele momento resplandecente e mais único do que qualquer outro, em que te puseram em cima de mim em que olhei para ti e os teus olhinhos tão lindos, o meu filho tão perfeito, e tudo, tudo tão para além daquilo que se consegue descrever...eram 07:10h do dia 1 de Abril de 2005...e superou de longe qualquer expectativa.

A tua avó cortou o cordão umbilical, e nesse mesmo momento, em que fisicamente deixaste de fazer parte de mim, criou-se uma outra ligação muito mais forte, feita de um amor incondicional e que faz com que cada dia da tua vida seja uma alegria para mim.

Para que a minha memória não falseie este acontecimento, pois é comum o tempo alterar as nossas recordações que passam a ser meio verdades meio invenções, aqui fica o meu testemunho do dia em que tu nasceste.

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